Dumbá, e seus amigos corriam e brincavam nas redondezas da aldeia, entre eles estava Wará, o melhor amigo de Dumbá e o rapaz mais belo da aldeia. Seria a última brincadeira de Wará, pois tomaria a água da maturidade e se tornaria adulto. Essa água na verdade é o sangue do Demônio da Morte, que antes de ser jogado no abismo pelo Deus Dragão Branco, foi ferido e seu sangue caiu no rio Tupindó, no qual ficou vermelho por toda a eternidade. Quando o rio ficou vermelho, os peixes morreram e todos acharam que morreriam de fome, mas descobriram que o fim do demônio da morte, trouxe-lhes a imortalidade. Não morriam nunca, nem quando ficavam apenas com a cabeça, como aconteceu com Xixunga, e muito menos morriam afogados ou queimados, a dor era intensa, mas não morriam, além disso, também nunca envelheciam. Depois que Wará tomasse a água da maturidade, seriam apenas três crianças na aldeia. Entre eles Dumbá, e os adultos agora já eram quase duzentos e o número de velhos beirava os cinquenta. Cada um tinha sua função na aldeia, os velhos ficavam com seus passatempos e uns ficavam inventando coisas, os adultos cuidavam da aldeia e também tinham seus passatempos e as crianças apenas brincavam. No outro dia, o ritual da maturidade que deixaria Wará, agora com aparência de doze anos, vinte anos mais velho, aparentando trinta e dois, foi normal, sem problemas, Wará estava mesmo decidido e não hesitou momento algum. Dançaram, cantaram e rezaram ao grande Deus Dragão Alado. Wará tomou a água e caiu em convulsões, os adultos, dançando com saias de palha e tranças no braços, além das máscaras de animais sagrados, cercaram-no sem pausar a dança. A dança era um cavar com os pés, levantando poeira, os corpos dos dançarinos inclinados para frente com os braços esticados e as mãos balançando sobre Wará, impossibilitava a visão da platéia, que via o círculo tremulante com espanto. Depois que os adulto voltaram a expandir o círculo e sem cessar a frenética dança, Wará já estava de pé, mais velho e dançando como se estivesse possuído, com os olhos cerrados, dançava com muito mais vigor que os outros e quando o Pagé deu o grito de encerramento da dança, Wará despencou inconsciente ao chão nomesmo instante. As mulheres pegaram-no e fizeram orações com ervas e chás, todas deram um grito em coro e Wará despertou. Agora já era mais um adulto, o quadragésimo terceiro a passar pelo ritual. Depois do encerramento do ritual, o Apache chamou todos no centro da vila e, do chão, falou para todos ouvirem:
— Hoje, faz duzentos anos que o Demônio da Morte foi jogado no abismo pelo Deus Dragão Alado e ficamos condenados a imortalidade. Digo “condenados”, pois nossa vida se tornou monótona e totalmente tediosa, perdemos o motivo de viver, não temos guerras pois nossos inimigos sabem que não morrermos, e se invadirmos, não haverá graça, já que eles apenas fugirão e não irão defender seus lares. Não temos nada para fazer, creio que minha missão foi completada quando ajudei Deus Dragão Alado à matar o Demônio da Morte. Se Tupã não quer me matar, eu mesmo faço isso! — o Apache pegou uma faca que estava na sua cintura e passou no próprio pescoço, algo que não ocorria à dois séculos aconteceu, o Apache caiu no chão morto, com o pescoço jorrando sangue e avermelhando a terra. Todos ficaram estupefatos, não houve nem sequer um suspiro, logo depois, os mais velhos fizeram a mesma coisa com a mesma faca. Um por um da aldeia repetiu o ato, sem pressa e com toda a calma da eternidade. Dumbá estava horrorizado e viu um por um cair na sua frente, uma pilha de corpo deixando toda a terra rubra, os suicídas agiam com naturalidade e frieza, como se os corpos deles estivessem possuídos por alguma entidade desconhecida. Foi a vez de Wará que agia do mesmo modo, Dumbá correu na direção dele em prantos, mas foi em vão, ele passou a faca no próprio pescoço e caiu. Então Dumbá correu para o canto, perto de uma oca, onde a terra ainda não ainda não estava rubro por causa do sangue. Ficou de joelhos, apoiando o ombro na parede e chorando. No ato suicida dos outros, ninguém gritava ou fazia som algum, ouvia-se apenas os passos lerdo e arrastados, como de zumbis, e o barulho que fazia-se quando alguém caia. Dumbá olhou para o chão que se ajoelhara e ao seu redor, tudo estava escarlate, olhou para trás e viu sua mãe, a última que ainda não caíra na pilha de corpos, abaixando-se para pegar a faca, ela observou por poucos segundo a faca ensanguentada, fitou o filho e passou a lâmina no próprio pescoço. Dumbá correu em direção ao corpo da mão que, no chão, ainda jorrava sangue, caiu de joelhos chorando como nunca chorou. Depois de alguns minutos, Dumbá ainda estava de joelhos ao lado do corpo da mãe, mas balançava o próprio corpo para frente e para trás, emitindo um grunhido constante e assustador. Sua boca aberta deixava cair saliva, e seus pescoço estava cortado, mas sangue não saia, os braços repousavam sobre as coxas nuas, com a faca na mão direita, ele estava inundado em insanidade. Porém, naquele lodo de demência que Dumbá caíra, uma frase se repetia de forma rítmica na mente dele, a frase dizia:
“... morrer é uma dádiva da vida... morrer é uma dádiva da vida...”
Gabriel Felippi
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